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Dandara Tonantzin
4 min readNov 22, 2021

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Mandato da Vereadora Dandara homenageia Madalena Gorgiano símbolo da luta pela liberdade.

Madalena e a Vereadora Dandara

Vou contar uma história que aconteceu no interior de Minas, mas pode acontecer do seu lado, neste momento, em qualquer canto do país. É a história de uma menina pretinha, que a pouco completara 8 anos, vivia com a mãe e nove irmãos na periferia de Patos de Minas-MG. Como tantas outras crianças deste país, deixara os sonhos e fantasias para trás para encarar a dureza da fome. Tempos difíceis para uma gente que aprende desde cedo que ser forte é questão de sobrevivência.

Mal completara uma década de vida e aprendeu qual o peso da desigualdade; perambulava de porta em porta em busca de pão. Nessas andanças topou com uma professora que logo lhe fez uma proposta: Ao invés de um prato de comida, queria que a menina fosse morar em sua casa. A mãe da criança, sem condições financeiras, concordou com a tal “adoção”.

O resto da história se entrelaça com tantas outras neste Brasil, tão marcado pela herança escravocrata. O nome da menina era Madalena Gordino, que pelos próximos 38 anos seria escravizada pela família de Maria das Graças Milagres Rigueira e, depois, pelo seu filho Dalton César Milagres Rigueira, também professor universitário. Enquanto a família Rigueira ostentava uma vida regada a privilégios, Madalena foi privada da educação, condenada a lavar e passar sem receber salário mínimo ou, até mesmo, acesso a itens de higiene.

Em 2020 Madalena foi resgatada após denúncias de vizinhos. O Brasil passa a conhecer o seu rosto e os fantasmas da escravidão, viva e perpetuada por nossa elite, foram revelados em horário nobre. A família escravocrata logo emendou uma justificativa bem palatável para os racistas de plantão, “ela era parte da família” … jogada no quartinho nos fundos, sem direitos ou afetos.

A liberdade prometida em 1888 não abriu suas asas sobre nós. Há 133 anos o Brasil abolia a escravidão oficialmente; mas a mentalidade escravocrata e racista semeada por 300 anos não foi apagada. Pouco depois da canetada da princesa Isabel, o Ministro da Fazenda Ruy Barbosa ordenou que todos os registros do mercado de escravizados fossem queimados. Os documentos dos crimes do tráfico de pessoas, tortura e comércio de seres humanos foram reduzidos a pó, mas os resquícios do genocídio continuaram vivos.

Os quatro milhões de africanos que sofreram uma diáspora forçada para pisar neste solo, tornaram-se 55% da população brasileira. A ironia é a maioria se tornar “minoria” por uma série de preconceitos, institucionalizados, que os excluem dos espaços de poder e tomadas de decisões.

A ineficiência de um Estado racista, onde vidas negras não importam, atrelado a um sistema exploratório resultam na extrema pobreza e, consequentemente, na vulnerabilidade de trabalhadores e trabalhadores.

A saga do povo negro é quebrar correntes. Continuamos açoitados pelo racismo, assassinados, abandonados nos “quartinhos de fundo”, assolados pela fome e trabalho escravo.

Em 2016, nosso país registrava quase 2 pessoas em regime análogo a escravidão a cada mil habitantes; o que seria em números absolutos 369 mil escravos modernos, segundo a Ong Walk Free Foundation. No ano passado, a Operação Resgate anunciou ter libertado 942 pessoas. Em 2021 a situação continua dramática. Foram 1.054 pessoas resgatadas de janeiro a setembro, segundo a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho. Minas Gerais lidera o ranking de trabalho escravo.

Mesmo em cargos assalariados, a desigualdade de gênero e raça no mercado de trabalho é profunda. Mulheres negras resistem para ser consideradas como pessoas numa sociedade que as silenciam, invisibilizam e as excluem de espaços de poder. Das 4,6 milhões de trabalhadoras domésticas, mais de 65% são negras. Mesmo com um diploma nas mãos e exercendo as mesmas profissões que homens brancos, mulheres negras chegam a receber menos que o dobro que eles.

Não somos guerreiras, somos mulheres sobrecarregadas que sobrevivem a triplas jornadas de trabalho, pouca valorização profissional, falta de oportunidades e ao peso do racismo. Em 2021, 133 anos da falsa abolição, ainda marchamos pelo direito a sermos tratadas como gente.

Madalena, em sua simplicidade, tem a grandeza de não nos deixar esquecer que a escravidão ainda é latente, próxima a nós, mora nos detalhes, desde os “quartinho de empregada” até as triplas jornadas de trabalho em troca de pão. Com seu pedido de socorro, ecoou um grito de dor comum a todas nós. É a voz da mulher preta que se ergueu e desencadeou um debate em todo Brasil: A escravidão não acabou.

Esta história está longe de ter um final. Madalena, mulher negra que inspira a todas nós coragem e resistência, tornando-se um símbolo de que a nossa luta pela liberdade ainda está sendo erguida e que ela nunca veio pelas mãos de uma “princesa”.

Madalena Gordiano rompe com as correntes que querem, a qualquer custo, nos prender quando alegam que o racismo é “coisa da nossa cabeça”. Madalena representa a nossa voz que está sendo erguida e necessita de ouvidos para nos ouvir, olhos para nos ver, pele para nos sentir e respeito para que a nossa vida não seja um “milagre”.

Enquanto houver racismo não haverá democracia, nada sobre nós sem a nossa presença.

Dandara Tonantzin é professora e vereadora em Uberlândia.

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Written by Dandara Tonantzin

Da quebrada para o mundo para virar uma mesa do poder.

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